Seria o amarelo dos ônibus de Joinville um patrimônio imaterial da cidade?

Observatório Urbano de Joinville
3 min readJan 22, 2024

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Por Pierre Du Pont Charlot

Nesta última semana, a Prefeitura de Joinville, sob comando do Partido Novo, abriu uma enquete para que a população escolhesse a nova cor dos ônibus da cidade. Em uma clara tentativa de escamotear o debate, pois os problemas são outros (como perfeitamente mostrou o Xinaider Negro), a Prefeitura mexe naquilo que, digamos, era a única coisa que funcionava no sistema: a identidade visual.

Porém, o Partido Novo, com essa manobra, tende a interferir, acredito, em um patrimônio imaterial da cidade. Sempre é bom lembrar que um patrimônio imaterial corresponde às manifestações e práticas culturais de uma determinada comunidade ou povo. Em Joinville, o amarelo característico dos ônibus é uma manifestação plástica que interfere há décadas na linguagem e no imaginário dos habitantes.

Uma das gírias mais faladas em Joinville, e que é característica de nossa cidade, surgiu graças à cor amarela dos ônibus de nossa cidade. O “zarco” ou “zarcão”, como o joinvilense apelidou os ônibus, tem sua origem na cor de uma tinta específica, o zarcão, que a antiga Nielson (hoje Busscar) utilizava em seus ônibus da linha Urbanuss em diante, ainda nos anos 80. Com isso, temos cerca de 40 anos de ônibus amarelos rodando pela cidade e no imaginário da população, e, de forma não intencional devido à inércia do poder público que acabou adotando a cor. Já a gíria, não é possível medir em tempo, mas, certamente, está há muitas décadas circulando na linguagem local.

O amarelo zarcão é um pouco diferente do amarelo que roda pela cidade hoje, mas até Luiz Henrique da Silveira, e sua grande reforma (integração do sistema, criação da Passebus e outros penduricalhos que reforçaram a submissão aos anseios capitalistas de Gidion e Transtusa) no sistema de ônibus em 1999, não abandonou o amarelo. Até o Linha Direta, como uma tentativa de ser um modelo diferenciado, virou azul, considerando a força que o amarelo tinha no sistema.

Como efeito prático, essa mudança de cor dos ônibus, além de alterar uma construção coletiva de décadas (é impossível fechar os olhos e não associar os ônibus de Joinville ao amarelo), não corresponde àquilo que os manuais de mobilidade urbana preconizam. As cores colocadas à disposição para votação (um modelo branco, um cinza e outro azul bebê) não criam uma identificação clara, pelo contrário: tornam os ônibus discretos e quase invisíveis no mar de automóveis monocromáticos.

Ou seja, quero dizer que a construção não intencional de uma identidade para o sistema de transporte por ônibus será perdido, por pura maquiagem eleitoreira. Temos tão poucos patrimônios imateriais em nossa cidade, e vamos perder mais um, justo aquele que dava um pouco de graça ao sistema propositalmente falido. Talvez os gestores do lado laranja podre da política local nem saibam o que é um patrimônio imaterial, já que só pensam pela lógica do capital, mas fica aqui esse singelo registro.

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