O zumbi: a revogação do IPTU progressivo de volta ao debate

Arte de Elia Bonetti. Retirado de “A Noite dos Mortos-Vivos”, roteiro de Jean-Luc Istin (editora Mythos, 2020).

Por Paulo Oliveira, professor de filosofia

O IPTU progressivo, várias vezes discutido nesse site, é uma política concreta e razoável para o desenvolvimento das cidades e diminuição da desigualdade socioespacial. Ele visa aumentar as alíquotas para terrenos e imóveis não utilizados ou subutilizados, induzindo o uso. O princípio que o orienta é a ideia de que a propriedade deve cumprir sua função social.

O tema voltou com força graças aos esforços politicamente reacionários do sr. vereador Wilian Tonezi (Patriota). Ele propôs a revogação da lei em Joinville (em que pese, ela própria, ser apenas resultado de leis federais, como a própria Constituição e o Estatuto das Cidades). Sua atividade conduziu a uma audiência pública no dia 23 de junho de 2021. Essa ocasião foi o ensejo para que o mencionado vereador encontrasse os holofotes para seu constrangimento público. Com argumentos que iam do altamente tendencioso ao explicitamente falso, Tonezi não encontrou basicamente nenhuma acolhida (para quem quiser testemunhar a vergonha pública do vereador, pode assistir o vídeo aqui).

A própria prefeitura de Joinville, insuspeita de “marxismo cultural”, defendeu na ocasião o IPTU progressivo, ainda que com a firmeza de um pudim — mas ainda sim. Dado esse revés público, o vereador publicamente se aquietou. Todavia, tramou a recolocação do projeto, no final de 2021. Conforme o jornal O Mirante, aproveitando-se da ausência de Ana Lúcia Martins (PT), explicitamente favorável à lei do IPTU progressivo, e de Henrique Deckman (MDB), favorável com ressalvas, aprovou parecer favorável ao projeto de revogação na Comissão de Finanças, o que leva a lei ao plenário. Muito importante notar: o tema sequer estava na pauta da comissão, foi introduzido repentinamente Isso sugere, de modo evidente, que Tonezi não consegue conduzir sua política às claras e com a devida publicidade que seu cargo demanda; ao contrário, aproveitou para fazer tudo às pressas, no final do ano, manobrando o regimento. Esse é o jeito conservador de fazer política que o vereador que se orgulha de ser um representante destacado — tradição intelectual, aliás, em seu revival atual, absolutamente indigna.

Graças a uma emenda do vereador Deckman o projeto teve sua ida ao plenário adiada para o ano de 2022. Contudo isso é um mero adiamento: é plausível que o projeto de fato vá ao plenário e diante da atual composição da Câmara de Vereadores— na maioria, lamentável — seja aprovado. Ou seja, está-se diante de um confluência dos interesses mais regressivos da cidade somado aos representantes mais desligados do interesse público. Essa lei ser debatida é uma aberração; ela ser aprovada, será a mostra definitiva do descompromisso e descompasso da Câmara de Vereadores com o bem público na sua forma mais elementar.

Por que estamos diante dessa situação? A explicação mais razoável precisa abarcar elementos que vão desde o momento atual da política brasileira — que elevou ao poder uma série de elementos paranoicos, formados no ambiente mais desqualificado de fóruns liberais e conservadores — passando pela ausência e dificuldade da organização de movimentos sociais e populares que pudessem fazer frente a esse tipo de absurdo. Ainda sim, frente a esse contexto adverso, não é pouco significativo que o vereador Tonezi tenha de ter encaminhado o processo todo sem a devida publicidade e sob toda sorte de manobras. Ele sabe que não tem argumentos suficientes e quando veio a público defende-los sofreu uma dolorosa derrota moral e política. Contudo, sua falta de pudor é maior que sua honestidade intelectual e vemos aí o projeto novamente em discussão.

Todas as pessoas interessadas no desenvolvimento de Joinville devem se opor ao projeto do vereador Tonezi e somar forças contra ele em uma frente política que pressione pela sua retirada. O momento é adverso, mas o fato de agir às escondidas mostra que Tonezi sabe da fragilidade da proposta. Não podemos ficar parados.

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

No responses yet

Write a response