Arquitetura hostil em Joinville: direito à cidade para quem?
Desigualdade no acesso aos espaços públicos pode ser notada em simples caminhada pelo Centro.
Por Mariana Ilezyszyn
A região central de qualquer cidade é sinônimo de agitação e concentração de produtos e serviços, e, não raro, fica vazia após o término do horário comercial, recomeçando sua atividade na manhã seguinte. Quando todos vão embora e essa parte da cidade fica deserta, quem ainda fica por lá?
Infelizmente, a maioria das pessoas está acostumada a ver indivíduos em situação de rua durante o dia, mas é principalmente no período noturno que as dificuldades em encontrar um lugar para descansar se tornam dobradas para esse grupo, já que diversos estabelecimentos e espaços públicos se utilizam de estratégias para inibir a sua permanência — popularmente conhecidas como arquitetura hostil. Além da apropriação de elementos que podem ser considerados arquitetônicos, ela também engloba a inserção de mobiliários urbanos desconfortáveis para o repouso (como bancos de praças e de pontos de ônibus com travas que não permitem o “deitar”) e o uso de vegetações arbustivas em espaços que poderiam estar vazios e abrigar pessoas.
Mas, se a cidade é para todos (como prevê o Estatuto da Cidade, art. 2o, incisos I e II, instituindo essa prerrogativa inclusive para as próximas gerações), não poder usufruir do mínimo dela, como o descanso em espaços públicos ou no interstício deles, poderia ser encarado como a violação de um direito básico. E é. Por isso, no final do ano de 2022 foi promulgada a Lei Federal n.o 14.489, popularmente conhecida como Lei Padre Júlio Lancellotti, que visa fiscalizar e combater essas técnicas restritivas, ainda que esse seja apenas o primeiro passo de uma longa caminhada. Isso porque há pouca delimitação de responsabilidades sobre quem fiscaliza e as penas a serem aplicadas em caso de comprovação dessa prática (incluindo sua remoção); além da pouca adesão dos municípios, que serão a “linha de frente” para o combate à essa técnica e deverão aprovar normativas específicas.
No cenário local, também há pouco debate sobre o assunto. Com a proliferação de eventos pomposos sobre cidades inteligentes e tecnologias mirabolantes para emular segurança e conforto, parece sobrar pouco espaço para se falar sobre ampliar e qualificar os espaços públicos existentes, que vão sendo substituídos pouco a pouco por locais privados de descanso e lazer. Aliado a isso, em Santa Catarina somente as cidades de Florianópolis e Balneário Camboriú possuem Projetos de Lei para articular restrições relacionadas à arquitetura hostil e suas derivações.
Em tempos da intenção de individualizar problemas coletivos, não são soluções fáceis que vão mudar esse cenário. Um banco magrelo de um ponto de ônibus pode impedir que uma pessoa em situação de rua durma nele, mas também é desconfortável para alguém que passa boa parte do dia no transporte público e precisa esperar sua condução. Essas restrições atingem, na verdade, boa parte da população, e devem ser cobradas nessa medida. E existem diversos interesses para que esse cenário continue assim, que são, literalmente, privados.
Links utilizados (em ordem de aparição):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm
https://www.cmf.sc.gov.br/assinatura/assinado/2023/10/231011175208765266.pdf?vh=61790e2
https://www.balneariocamboriu.sc.leg.br/proposicoes/pesquisa/0/1/0/127972